Dolo

5 de março de 2013

Apesar de definirmos dolo como consciência e vontade de realização dos elementos do tipo, o dolo não é, a rigor, um estado mental do sujeito, mas uma imputação a esse título (doloso), a partir da valoração dos elementos de prova, aí incluída a própria versão do imputado.

 

Dizer isso, significa, mais precisamente, o seguinte: a) que compete a um terceiro (o juiz, em especial), e não ao imputado, decidir se este agiu ou não dolosamente, razão pela qual a imputação a esse título não fica na dependência da interpretação que o próprio sujeito faz de seu ato; b)que se trata, essencialmente, de uma valoração a partir da prova produzida nos respectivos autos; c)que esse juízo de valor poderá eventualmente contrariar a própria versão do imputado, por mais verossímil, sobretudo nos crimes contra a honra (calúnia etc.); d)que, para a apuração do dolo, é essencial a consideração do contexto em que os fatos se passaram; e) que o dolo não preexiste à interpretação, mas é dela resultado (não é previamente dado, mas construído), motivo pelo qual juízes e tribunais não raro divergem sobre o assunto, ora afirmando, ora negando a existência de dolo; f)que o dolo é um conceito – logo, uma metáfora –, razão pela qual pode designar e compreender casos bastante díspares; g)por encerrar uma imputação, é possível falar (em tese) de dolo mesmo em relação a adolescentes, ébrios e portadores de transtorno mental.

 

Naturalmente que, embora seja um conceito geral, o dolo só é apurável e imputável a partir da análise concreta do respectivo tipo, uma vez que todo crime tem seu próprio dolo, a exigir, por conseguinte, que o sujeito conheça e queira cada um de seus elementos constitutivos.

 

Ademais, como o dolo coincide com a realização da ação típica, se o agente desistir ou se arrepender de modo ineficaz, responderá dolosamente, em virtude, inclusive, da irrelevância jurídico-penal da desistência ou arrependimento (v.g., se, depois de colocar uma bomba num veículo, o autor aciona, inutilmente, a polícia para desativá-la). Em se tratando de desistência ou arrependimento eficaz, o agente responderá tão-só pelos atos já praticados.

 

É importante notar, por fim, que o direito penal trabalha com um conceito de dolo diverso do direito civil, visto que o dolo penal (dolo típico) é referido ou vinculado a um tipo legal de crime (dolo de matar, de estuprar etc.), cuja configuração independe, como regra, da existência de ardil por parte do agente. Já o dolo civil é o emprego de artifício, fraude ou similar para induzir alguém à realização de um negócio jurídico, a exemplo da venda de produto falso como verdadeiro. Ademais, enquanto o dolo penal, conceito amplíssimo, é um elemento subjetivo essencial à imputação penal, o dolo civil, mais restrito, é uma causa de anulação de negócio jurídico e tem tratamento legal específico (CC, art. 145 e seguintes).

 

No entanto, para fins de responsabilidade civil (CC, art. 186), o conceito civil e penal de dolo é, em princípio, exatamente o mesmo, apesar de os civilistas, mais pragmáticos, dispensarem, em geral, e com razão, as sutilezas dos penalistas.

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3 Comentários

  1. Olá Dr. Paulo esta sentido falto dos seus escritos, e como sempre trazendo novos entendimento doutrinários, espetacular, forte abraço LGOB

  2. Caro professor,

    Que tema espinhoso!
    Com o devido respeito, ouso fazer algumas considerações. Não vejo impropriedade em afirmar que dolo, conforme foi conceituado, seja um estado mental do sujeito. Sendo a consciência um juízo da realidade e a vontade uma decisão precedida de uma intenção, não vejo como negar que dolo, tal qual foi conceituado, seja um estado mental do sujeito. Por outro lado, entendo que o que se imputa não é dolo, mas conduta dolosa. Assim, entendo que o magistrado as analisar as provas pode presumir o estado mental do sujeito, ou seja, que ele estava consciente e agiu com vontade de praticar a conduta (com dolo) e, dessa forma, atribuir a ele a conduta e qualificá-la como dolosa. Quanto aos menores, ébrios e portadores de transtornos, não há incompatibilidade entre seus estados mentais e o conceito de dolo, pois o dolo é natural e não normativo. O que a eles falta é o juízo crítico da realidade, ou seja, a capacidade de entender que o que faz é indevido, é ilícito. Eles sabem o que fazem, mas não têm capacidade de saber se é lícito ou ilícito.

    Abraço professor!

    Hélio

  3. Dr. Paulo, tenho um irmão preso por estelionato, 4 anos seis.Ele está doente desde quando foi preso porque foi torturado e estorou a membrana do ouvido até então não consegue nem um direito ele foi condenado a 10 anos e seis
    em regime aberto mas A MAIOR PARTE CUMPRIU em regime fechado o MP continua pedido por regime fechado.
    Por favor me ajude.
    Obrigada
    Neide

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