Apesar de definirmos dolo como consciência e vontade de realização dos elementos do tipo, o dolo não é, a rigor, um estado mental do sujeito, mas uma imputação a esse título (doloso), a partir da valoração dos elementos de prova, aí incluída a própria versão do imputado.
Dizer isso, significa, mais precisamente, o seguinte: a) que compete a um terceiro (o juiz, em especial), e não ao imputado, decidir se este agiu ou não dolosamente, razão pela qual a imputação a esse título não fica na dependência da interpretação que o próprio sujeito faz de seu ato; b)que se trata, essencialmente, de uma valoração a partir da prova produzida nos respectivos autos; c)que esse juízo de valor poderá eventualmente contrariar a própria versão do imputado, por mais verossímil, sobretudo nos crimes contra a honra (calúnia etc.); d)que, para a apuração do dolo, é essencial a consideração do contexto em que os fatos se passaram; e) que o dolo não preexiste à interpretação, mas é dela resultado (não é previamente dado, mas construído), motivo pelo qual juízes e tribunais não raro divergem sobre o assunto, ora afirmando, ora negando a existência de dolo; f)que o dolo é um conceito – logo, uma metáfora –, razão pela qual pode designar e compreender casos bastante díspares; g)por encerrar uma imputação, é possível falar (em tese) de dolo mesmo em relação a adolescentes, ébrios e portadores de transtorno mental.
Naturalmente que, embora seja um conceito geral, o dolo só é apurável e imputável a partir da análise concreta do respectivo tipo, uma vez que todo crime tem seu próprio dolo, a exigir, por conseguinte, que o sujeito conheça e queira cada um de seus elementos constitutivos.
Ademais, como o dolo coincide com a realização da ação típica, se o agente desistir ou se arrepender de modo ineficaz, responderá dolosamente, em virtude, inclusive, da irrelevância jurídico-penal da desistência ou arrependimento (v.g., se, depois de colocar uma bomba num veículo, o autor aciona, inutilmente, a polícia para desativá-la). Em se tratando de desistência ou arrependimento eficaz, o agente responderá tão-só pelos atos já praticados.
É importante notar, por fim, que o direito penal trabalha com um conceito de dolo diverso do direito civil, visto que o dolo penal (dolo típico) é referido ou vinculado a um tipo legal de crime (dolo de matar, de estuprar etc.), cuja configuração independe, como regra, da existência de ardil por parte do agente. Já o dolo civil é o emprego de artifício, fraude ou similar para induzir alguém à realização de um negócio jurídico, a exemplo da venda de produto falso como verdadeiro. Ademais, enquanto o dolo penal, conceito amplíssimo, é um elemento subjetivo essencial à imputação penal, o dolo civil, mais restrito, é uma causa de anulação de negócio jurídico e tem tratamento legal específico (CC, art. 145 e seguintes).
No entanto, para fins de responsabilidade civil (CC, art. 186), o conceito civil e penal de dolo é, em princípio, exatamente o mesmo, apesar de os civilistas, mais pragmáticos, dispensarem, em geral, e com razão, as sutilezas dos penalistas.