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DO ESTUPRO

I)Estupro violento

 

1)Definição legal e elementos constitutivos

 

De acordo com o Código (art. 213), o estupro consiste em “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

Trata-se de um tipo de constrangimento ilegal imposto a alguém, homem ou mulher, visando à satisfação de um desejo sexual (libido). É crime definido como hediondo em quaisquer de suas formas, isto é, simples e qualificado, consumado e tentado (Lei n° 8.072/90, art. 1°, V).

O estupro é o tipo penal fundamental, relativamente aos demais crimes contra a liberdade sexual (assédio etc.), que são acessórios, razão pela qual a ocorrência desses últimos pressupõe a não incidência do tipo principal.

Para a configuração do crime, exige-se o concurso simultâneo dos seguintes requisitos: a)ato de constranger a vítima; b)uso de violência ou grave ameaça; c)ter conjunção carnal; ou d)praticar ou permitir que se pratique outro ato libidinoso.

Constranger é coagir, forçar, obrigar, tolher a vontade de; não há, pois, constrangimento, tampouco constrangimento ilegal, se houver consentimento válido do ofendido, antes ou durante o ato, mas um fato atípico, penalmente irrelevante. No entanto, haverá estupro, se, não obstante o consentimento inicialmente dado, a vítima mudar de ideia durante a relação sexual e a ela se opuser firme e manifestamente, e desde que o agente, usando de violência ou grave ameaça, atue no sentido de vencer a resistência que lhe é agora oposta.

Na modalidade constranger a ter conjunção carnal, tipifica-se a conjunção sexual forçada entre o agente (homem, forçosamente) e a mulher (cópula); na forma de constranger a praticar outro ato libidinoso, a vítima é coagida a realizar ato libidinoso no próprio agente ou em terceiro; e no permitir que se pratique, é obrigada a tolerar que com ela se realize outro ato libidinoso diverso da conjunção. O mais comum é que ambas as formas de constrangimento sejam praticadas simultânea ou sucessivamente.

Quando se tratar de estupro de vulnerável, o consentimento eventualmente dado pelo ofendido é, em princípio, juridicamente irrelevante, porque inválido.

A violência necessária à caracterização do tipo é qualquer ação física empregada pelo agente para anular a resistência da vítima e assim consumar o delito. E a grave ameaça é a promessa de praticar um mal grave contra a vítima ou terceiro e assim impedir que resista ao ilegal constrangimento que lhe é imposto.

Quando houver surpresa ou qualquer outro meio que impeça a vítima de esboçar reação1, o caso será de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), a exemplo de uso de droga, hipnose etc.

Como a violência e a grave ameaça fazem parte do tipo penal, segue-se que eventuais escoriações, vias de fato e lesões leves que resultem do estupro não são autonomamente puníveis, uma vez que ficam absorvidas por este delito (princípio da consunção).

Por conjunção carnal se deve entender a conjunção sexual entre o homem e a mulher, isto é, a cópula. Por sua vez, ato libidinoso é termo generalíssimo que corresponde a todo e qualquer ato destinado à satisfação da libido, razão pela qual compreende a própria conjunção carnal como uma de suas possíveis formas. Exatamente por isso, era, a rigor, desnecessária a referência expressa à conjunção.

Só existe estupro, em princípio, se houver conjunção carnal ou outro ato libidinoso contra a vontade expressa da vítima, que se opõe manifestamente ao ilegal constrangimento que lhe é imposto. Como assinala Hungria, o dissenso da vítima deve ser sincero e positivo, manifestando-se por inequívoca resistência. Não basta uma platônica ausência de adesão, uma recusa meramente verbal, uma posição passiva ou inerte. É necessário uma vontade decidida e militantemente contrária, uma oposição que só a violência física ou moral consiga vencer.2

Isso não quer dizer, porém, que a vítima deva resistir até a exaustão, sobretudo se a resistência significar grave perigo à sua vida ou integridade física.

Ademais, cumpre considerar o contexto e as condições pessoais dos envolvidos (autores e vítimas), mesmo porque vítimas há que se amedrontam facilmente e outras há resistem o quanto podem.

Cuida-se de crime comum praticável por qualquer pessoa e contra qualquer pessoa, homem ou mulher; logo, não se exige condição especial alguma por parte do sujeito ativo ou passivo, de modo que qualquer um pode praticá-lo ou sofrê-lo. A discussão sobre a possibilidade de mulher casada ser vítima de estupro praticado pelo marido já não tem qualquer sentido nos dias atuais.

O tipo exige necessariamente o dolo, entendido como consciência e vontade de realização dos elementos do tipo, isto é, consciência e vontade de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Não há, pois, dolo sempre que o autor tiver fundadas razões para acreditar que a vítima consente validamente a realização do ato ou apenas finge resistir (v.g., casal de namorados).

No caso de estupro de vulnerável, não há tampouco dolo, mas erro de tipo, que o exclui, se o agente supuser, fundadamente, que a vítima não é juridicamente vulnerável (v.g., se tiver boas razões para acreditar que o ofendido é maior de 14 anos).

O crime não é punível a título de culpa.

 

2)Configuração de ato libidinoso típico

 

Nem todo ato libidinoso importa em crime de estupro. Com efeito, o tipo penal, ao restringir o delito ao ato de praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, não contemplou aqueles hipóteses em que a vítima é constrangida, não a praticar ou permitir que com ela se pratique algum ato libidinoso, mas a assistir a atos sexuais praticados pelo próprio autor consigo mesmo ou com terceiro ou entre terceiros. Consequentemente, o estupro pressupõe, necessariamente, a participação ativa ou passiva da própria vítima, quer com o autor, quer com terceiro, quer consigo mesma. Assim, o só ato de constranger alguém, com violência ou grave ameaça, a assistir a ato libidinoso não caracteriza o crime de estupro, uma vez que não se está aí a constranger alguém a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Assim, para a configuração do tipo em questão, é essencial uma intervenção sobre o corpo da vítima, constrangendo-a a praticar ou permitir que com ela se pratique um tal ato. Enfim, o ato libidinoso tem de ser praticado pela, com ou sobre a vítima coagida.3

Exatamente por isso, não cometeria esse crime, mas constrangimento ilegal, o indivíduo que violentamente obrigasse a vítima a assistir a ato de libidinagem praticado por terceiros, uma vez que a vítima não estaria praticando o ato, nem permitindo que com ela fosse praticado.4 Não há, portanto, estupro sem intervenção material do ofendido no fato incriminado, porque é indispensável sua participação, razão pela qual é necessária a sua presença, visto que sua pessoa é elemento do próprio tipo sem cujo concurso o crime não se perfaz.5

Não constitui estupro tampouco o simples fato de proferir palavras obscenas ou o só ato de manifestar o desejo de praticar algum ato libidinoso com alguém, porque é necessário que haja algum tipo de contato físico ou corpóreo com a vítima, pelo menos, que o seu corpo entre em jogo, para o fim de libidinagem.6

O que pode vir a ser outro ato libidinoso é impossível de ser listado, uma vez que a imaginação humana é fertilíssima no particular. De todo modo, há de consistir numa conduta relevante que importe em grave constrangimento à vítima, razão pela qual não pode ser considerado como tal atos que, embora libidinosos do ponto de vista do próprio autor, não o sejam objetivamente (v.g., tocar o cabelo de uma criança ou beijar-lhe o rosto).

 

3)Princípio da insignificância

 

Não constitui estupro o cometimento de atos absolutamente insignificantes, ainda que eventualmente libidinosos. O Código Penal português7 exige, aliás, expressamente, para a configuração do crime de coacção sexual e outros delitos sexuais, que se trate de acto sexual de relevo, razão pela qual os atos considerados insignificantes não são passíveis de proteção pelo tipo penal em causa. Como escreve Jorge de Figueiredo Dias, “ficam excluídos do tipo actos que, embora ‘pesados’ ou em si ‘significantes’ por impróprios, desonestos, de mau gosto ou despudorados, todavia, pela sua pequena quantidade, ocasionalidade ou instantaneidade, não entravem de forma importante a livre determinação sexual da vítima”.8

Discute-se se o beijo lascivo constitui estupro. Que o beijo (a depender do modo e lugar) figura entre as possíveis formas de libidinagem, é fora de dúvida. A questão fundamental reside em saber, porém, se um tal ato, como outros tantos de igual ou menor importância, pode ser considerado digno de proteção penal. E, para nós, não se pode ter à conta de estupro, crime hediondo que é, condutas que, embora formalmente libidinosas, não importem num constrangimento grave à liberdade sexual do ofendido, razão pela qual o princípio da insignificância tem plena aplicação também aqui.

E uma vez reconhecida a insignificância dos atos, relativamente ao tipo legal de estupro, segue-se, então, ou a desclassificação para infração penal menos grave (v.g., constrangimento ilegal) ou a absolvição pura e simples.

 

4)Consumação e concurso de crimes

 

Se a consumação é a completa realização dos elementos do tipo, segue-se, então, que tal ocorrerá sempre que o agente lograr constranger a vítima a praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso. A consumação da conjunção carnal ocorrerá com a penetração do pênis na cavidade vaginal, total ou parcialmente. E a consumação de outro ato libidinoso se dará com a efetiva realização de algum ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

Naturalmente que o crime estará consumado, e não simplesmente tentado, ainda que os atos praticados estejam aquém do projeto de crime arquitetado pelo agente (v.g., se, pretendendo realizar conjunção sexual, iniciasse o crime com atos libidinosos preliminares, sendo preso antes de exaurir aquele último ato).

E haverá tentativa de crime sempre que, inciada a sua execução, o autor não conseguir consumá-lo por circunstâncias alheias à sua vontade (v.g., reação da vítima ou de terceiro), isto é, sempre que não conseguir praticar algum ato de libidinagem.

Se, num mesmo contexto, o agente conseguir praticar conjunção carnal e outro ato libidinoso, como é comum, aliás, haverá crime único, e não concurso de delitos, visto que o tipo pressupõe o constranger a praticar conjunção carnal ou permitir que se pratique outro ato libidinoso, razão pela qual, se realizar ou um ou outro ou ambos, haverá um só delito: estupro.

O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo, porém, que se trata de crime misto cumulativo (e não misto alternativo), razão pela qual haveria concurso de crimes.

 

5)Concurso de crimes no STJ

 

No Superior Tribunal de Justiça tem prevalecido o entendimento de que, se o agente cometer, num mesmo contexto, conjunção carnal e outro ato libidinoso, haverá concurso de crimes, e não crime único, sob o argumento de que o tipo penal seria misto cumulativo, isto é, um tipo que definiria mais de um crime. Nesse sentido9:

 

HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONTINUIDADE DELITIVA. REUNIÃO DOS DELITOS EM UM ÚNICO ARTIGO COM A EDIÇÃO DA LEI 12.015/09. POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 71 DO CPB). CRIMES DA MESMA ESPÉCIE. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. SENTENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO ANTES DA LEI 12.015/09. RETROATIVIDADE QUE DEVE SER APRECIADA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO. SÚMULA 611 DO STF. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO, APENAS PARA DETERMINAR A REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DA EXECUÇÃO A FIM DE QUE APRECIE O PEDIDO DE APLICAÇÃO DA LEI MAIS BENÉFICA, COMO ENTENDER DE DIREITO. 1.   Embora a Lei 12.015/09 tenha reunido em um único artigo as condutas delitivas anteriormente previstas em tipos autônomos (estupro e atentado violento ao pudor, respectivamente, antigos arts. 213 e 214 do CPB), a prática das duas condutas, ainda que no mesmo contexto fático, deve ser individualmente punida, somando-se as penas. 2.   O art. 213 do CPB, após a alteração introduzida pela Lei 12.015/09, deve ser classificado como um tipo misto cumulativo, porquanto a prática de mais de uma conduta ali prevista, quando não representar ato libidinoso em progressão à prática de conjunção carnal, sem dúvida agrega maior desvalor ao fato. 3.   A cópula anal ou a felação, realizadas no mesmo contexto fático que a conjunção carnal, não podem ser consideradas como um desdobramento de um só crime, pois constituem atos libidinosos autônomos e independentes da conjunção carnal, havendo, na verdade, violação a preceitos primários diversos. 4.   Ainda que previstos no mesmo tipo penal, é nítida a ausência de homogeneidade na forma de execução entre a conjunção carnal e o outro ato libidinoso de penetração, porquanto os elementos subjetivos e descritivos dos delitos em comento são diversos. Dest'arte, considerando-se autônomas as condutas e a forma de execução, forçoso o afastamento da continuidade delitiva.

 

Não estamos de acordo com isso.10

Primeiro, porque já vimos que a conjunção carnal constitui uma das possíveis formas de ato de libidinagem, a qual, a rigor, não precisaria constar expressamente do tipo; segundo, porque, em verdade, se o agente praticar um ou outro ato ou ambos, realizará um só e mesmo tipo penal; terceiro, porque, ao contrário da legislação revogada, que tipificava autonomamente, em artigos diversos, o estupro e o atentado violento ao pudor, a reforma superou a distinção por considerá-la desnecessária; quarto, porque a própria classificação (crime misto cumulativo) de que se valem os precedentes carece de fundamento e não implica forçosamente concurso de crimes; quinto, porque interpretar cada ato libidinoso como constitutivo de um crime autônomo, relativamente a um só e mesmo tipo penal, importa em violação ao princípio ne bis in idem.

Finalmente, o estupro não é de modo algum um crime misto (alternativo ou cumulativo), visto que o tipo refere um único verbo (constranger), sendo que o ter e o praticar ou permitir que se pratique apenas o complementam.11

Semelhante interpretação mais parece, portanto, um esforço do tribunal no sentido de fazer prevalecer a jurisprudência que se consolidara anteriormente à reforma.

O mais razoável seria, por conseguinte, que, reconhecida a unidade de crime, o juiz, quando da individualização, procedesse à fixação de uma pena compatível com as circunstâncias do caso, aí incluídas a natureza e a quantidade de atos libidinosos praticados.

Advirta-se, porém, que o concurso de crimes (formal, material e continuado) é perfeitamente possível, desde que os atos sejam praticados em contextos distintos e autônomos.

 

6)Formas qualificadas e causas de aumento de pena

 

O agente responderá na forma qualificada sempre que houver: a)lesão corporal de natureza grave; b)morte; c)a vítima for menor de 18 e maior de 14 anos.

A lesão corporal grave (CP, 129, §§1° e 2°) e a morte qualificam o crime tanto a título de dolo quanto de culpa, tratando-se, por isso, de um crime qualificado pelo resultado, que compreende o preterdolo (fusão de dolo e culpa) como uma de suas possíveis formas.12

A incidência da qualificadora pressupõe, logicamente, lesão grave ou morte que resultem da violência empregada para a consumação do estupro, razão pelo qual o nexo causal entre o tipo e o resultado que o qualifica é essencial. Exatamente por isso, se, consumado o estupro, o agente decidir lesionar ou matar a vítima, haverá concurso de crimes (estupro e homicídio ou lesões), porque autonomamente queridos e praticados.

O agente também responderá na forma qualificada quando a vítima for menor de 18 e maior de 14 anos. A qualificadora não incide, porém, se, ao tempo da ação, e não do resultado (CP, art. 4°), o ofendido for ainda menor 14 anos ou já tiver completado 18 anos, o que se dá no momento exato em que isso ocorre. Contrariamente ao que pretendem alguns autores, no dia do seu aniversário a vítima já é maior de 14 anos ou maior de 18 anos, conforme o caso, razão pela qual não é preciso esperar o dia seguinte para ser considerada como tal.13

Quando a vítima for menor de 14 anos, dar-se-á o estupro de vulnerável. A idade deve ser provada por certidão de nascimento ou documento equivalente.

A pena é assim aumentada (art. 226): a)de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; b)de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.

A pena é ainda aumentada (CP, art. 234-A, III e IV): de metade, se do crime resultar gravidez; e de um sexto até a metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber portador.

Já vimos que as lesões leves ficam absorvidas pelo estupro, em razão do princípio da consunção, segundo o qual o crime-fim (estupro) absorve o crime-meio (lesões).

 

7)Estupro e atentado violento ao pudor a partir da Lei nº 12.015/2009

 

Conforme vimos, a partir a Lei nº 12.015/2009, o crime de estupro passou a ter a seguinte redação: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.”

Vê-se, pois, que, comparada à anterior (“constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”), a atual redação é bem mais ampla, a ponto de compreender, por inteiro, o tipo de atentado violento ao pudor previsto no art. 214 do CP (“constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal”).

Enfim, o atual crime de estupro compreende, além do estupro propriamente dito, o antigo atentado violento ao pudor, razão pela qual é evidente que o art. 214 acabou por ser revogado, expressamente, inclusive (art. 7º). É que o legislador fundiu, num só tipo, os antigos delitos de estupro e atentado violento ao pudor.

Apesar de revogado o art. 214, não houve abolição do crime de atentado violento ao pudor, que agora passa a fazer parte do crime de estupro. Não há cuidar, pois, de abolitio criminis, mas de simples mudança do nomen juris da infração, como convinha, aliás, visto que realmente não fazia sentido a velha distinção entre estupro e atentado violento ao pudor. No essencial, tudo continua, portanto, como antes.

Não obstante, a expressa revogação do art. 214 tem importantes consequências práticas.

Com efeito, se antes da reforma parte da jurisprudência relutava em admitir a continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, ao argumento de que não eram “crimes da mesma espécie” (CP, art. 71), já agora semelhante alegação restou superada, em virtude da fusão dos tipos dos arts. 213 e 214. Exatamente por isso, caberá, inclusive, habeas corpus/revisão criminal em favor dos réus condenados por concurso (material) desses crimes, para o fim de, reconhecida a continuidade, proceder-se ao recálculo da pena, se o próprio juiz da execução não o fizer. Está claro que o reconhecimento da continuidade delitiva só será possível se o único obstáculo para tanto tiver sido a alegação de não se tratar de “crimes da mesma espécie”.

Trata-se, como se vê, de um caso de retroatividade da lei penal em razão de novatio legis in mellius.

Ademais, não existe (mais) concurso formal ou material de crimes, mas crime único, sempre que o agente praticar, num mesmo contexto, atos libidinosos e conjunção carnal, mesmo porque a lei tratou, claramente, a conjunção como espécie do gênero atos libidinosos, além de tais atos fazerem agora parte de um mesmo tipo penal. Também por isso, os réus eventualmente condenados, em concurso formal ou material de estupro e atentado violento, por praticarem, num mesmo contexto, tais atos (libidinosos), farão jus à revisão da pena. Novatio legis in mellius, novamente.

 

8)Ação penal no atual crime de estupro qualificado

 

A partir da Lei nº 12.015/2009, a ação penal no crime de estupro é (agora) pública condicionada à representação do ofendido (CP, art. 225), e não mais de ação penal privada, à exceção do estupro de menor de 18 (dezoito) anos ou vulnerável, de ação pública incondicionada. Em razão disso, alguns autores14 vêm defendendo que, mesmo no caso de estupro qualificado por lesão corporal grave ou morte, a instauração da ação penal dependeria de representação.

O equívoco é manifesto.

Em primeiro lugar, porque incide no caso o art. 101 do Código Penal, sobre crime complexo, que tem a seguinte redação: “Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação penal em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público.”

É bem verdade que o estupro (simples) não é complexo ou composto, visto que, embora o constrangimento ilegal constitua crime autônomo, o ato sexual, por si só, não o é. E o crime complexo, como é sabido, é aquele resultante da fusão de dois ou mais tipos.15 Mas, se o crime de estupro na forma simples não é complexo, o é na forma qualificada por lesão grave ou morte, visto resultar da fusão de dois tipos penais autônomos: estupro (simples) ou constrangimento ilegal e lesão grave ou homicídio.

Incide, pois, o art. 101 do Código Penal, porque tanto a lesão grave quanto a morte são condutas que “a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes”. Exatamente por isso, não fosse a previsão legal expressa das circunstâncias qualificadoras nos §§ 1º e 2º do art. 213 do Código Penal, o agente responderia, em concurso (formal ou material), por estupro e lesão corporal grave ou estupro e homicídio, por serem infrações autônomas.

Em segundo lugar, não faria sentido algum que, para crime menos grave (estupro de vulnerável ou menor de 18 anos, punido com pena de 8 a 15 anos de reclusão), fosse admitida a ação penal pública incondicionada, e para um mais grave (punido com pena de até 30 anos de reclusão) a ação penal dependesse de representação. Note-se, mais, que, também para o estupro de vulnerável (CP, art. 217A, §§ 3º e 4º), a lei prevê as formas qualificadas da lesão grave e morte da vítima. Sistematicamente, portanto, a pretensão de se exigir representação para o estupro qualificado é infundada, inclusive porque violaria os princípios de isonomia e proporcionalidade (proibição de proteção deficiente).

Finalmente, não se compreenderia que uma lei, que aboliu a ação penal privada e pretendeu castigar mais duramente seus destinatários, tratasse de modo mais brando justamente os autores dos delitos mais graves (até com resultado morte), ao condicionar (supostamente) a ação penal à representação da vítima, que poderá estar morta inclusive.

Em síntese, a jurisprudência (Súmula 608 do STF16) que se consolidara sobre o tema permanece absolutamente inalterada: a ação penal, no crime de estupro com lesão grave ou morte, é de ação pública incondicionada, porque tanto a lesão grave quanto o homicídio são delitos de ação pública incondicionada.

 

9)Ação penal etc.

 

Como regra, a ação penal é pública condicionada à representação. Quando a vítima for vulnerável ou menor de 18 anos, a ação é pública incondicionada. Idem, se se tratar de crime qualificado por lesão grave ou morte (CP, art. 101).

O Código Penal Militar prevê os mesmos crimes objeto da recente reforma, razão pela qual cumpria também modificá-los substancialmente. Mas o legislador nada fez no particular, de modo que o CPM permanece como sempre foi, criando uma situação dificilmente compatível com o princípio da isonomia.

O processo correrá em segredo de justiça (CP, art. 234-B).

 

 

 

 

 

II)Estupro de vulnerável

 

1)Considerações iniciais

 

O Código (art. 217-A) define como estupro de vulnerável “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. De acordo com o § 1o, “incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.” É crime definido como hediondo em quaisquer de suas formas, isto é, simples e qualificado, consumado e tentado (Lei n° 8.072/90, art. 1°, VI).

De logo, dois aspectos chamam a atenção: o primeiro é que a redação deste tipo não coincide, exatamente, com a do art. 213, já que não refere o “permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” que consta do estupro violento. Significa, pois, que o tipo agora comentado é aparentemente mais restrito, visto que não compreende as hipóteses em que o agente constrange a vítima, não a praticar com ela algum ato libidinoso, mas a permitir que com ela se pratique um tal ato. E mais, o verbo constranger não faz parte do tipo.

O segundo aspecto a ser destacado é que, embora as condutas sejam essencialmente as mesmas, a pena cominada ao estupro de vulnerável é mais alta: aqui, 8 a 15 anos de reclusão; lá, 6 a 10 anos de reclusão. A falta de critério na cominação de penas fica ainda mais evidente quando comparamos as figuras qualificadas do estupro violento e de vulnerável. Com efeito, embora cominem a mesma pena para o caso de morte do ofendido (reclusão de 12 a 30 anos), preveem penas diversas para a hipótese de lesão grave: no estupro violento, reclusão de 8 a 12 anos; e no estupro de vulnerável, reclusão de 10 a 20 anos.

A violação aos princípios de isonomia e proporcionalidade é, portanto, manifesta, visto que um comportamento de igual ou menor gravidade (estupro de vulnerável) é punido com pena superior ao delito mais grave (estupro violento), razão pela qual o juiz deve ter especial atenção ao proceder à individualização da pena.

Como assinala Jorge de Figueiredo Dias, trata-se de crime que visa a proteger a autodeterminação sexual, mas de uma forma muito particular: não em face de condutas que representem a extorsão de contatos sexuais de modo coativo ou análogo, mas em face de condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coação, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade.17

O crime existe com ou sem consentimento da vítima, com ou sem violência ou grave ameaça, uma vez que que tanto o consentimento quanto a violência não são elementos essenciais, mas acidentais do tipo.

A configuração do estupro de vulnerável pressupõe, ademais, que o agente tenha conhecimento da condição legal de vulnerabilidade, pois, do contrário, não agirá dolosamente (erro de tipo).

Não há previsão de culpa.

 

2)Casos de vulnerabilidade

 

O Código tem por vulneráveis e, portanto, passíveis de crime de estupro independentemente do uso de violência ou grave ameaça, os indivíduos que se encontram numa das seguintes hipóteses: a)menor de 14 anos; b) quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato; c) ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

São casos em que o legislador, valendo-se de um critério de política criminal, declara tais indivíduos incapazes de consentirem validamente, negando-se-lhes o direito de decidirem por conta própria sobre a sua própria autodeterminação sexual.

 

2.1)Menor de 14 anos

 

À semelhança do que se passava antes da reforma, há estupro, se, não obstante eventual consentimento, a vítima for menor de 14 anos. Antes da reforma a lei dispunha que “presume-se a violência, se a vítima é menor de 14 anos”. Com a reforma, a expressão presunção de violência foi substituída por vulnerável. Apesar disso, temos que a controvérsia que havia antes, sobre o caráter absoluto ou relativo da presunção, permanece, quer porque toda lei, por mais clara, pressupõe e exige interpretação, quer porque as palavras não têm, em princípio, o condão de mudar a realidade, quer porque subjacente à ideia de vulnerabilidade há uma presunção de que tais pessoas são incapazes de autoproteção.

Se o “ofendido” já houver completado 14 anos, os atos libidinosos são, em princípio, atípicos. A idade deve ser provada por meio de certidão de nascimento ou documento equivalente.

 

2.2)Portador de transtorno mental

 

De acordo com a classificação de “Transtornos Mentais e de Comportamento da CID10” (Organização Mundial de Saúde – OMS), a inimputabilidade, total ou parcial, pode resultar, dentre outros, dos seguintes transtornos: demência na doença de Alzheimer, demência vascular, transtornos mentais decorrentes de lesão e disfunção cerebrais, transtornos mentais decorrentes de uso de substância psicoativa, esquizofrenia, transtornos do humor (afetivos), transtorno afetivo bipolar, transtorno depressivo recorrente, transtornos neuróticos relacionados ao estresse, transtornos alimentares, transtornos mentais e de comportamentos associados ao puerpério, transtornos específicos de personalidade (transtorno de personalidade paranoide, esquizoide, antissocial), retardo mental (leve, moderado, grave, profundo) etc. Como transtornos de hábitos e impulsos, são citados: o jogo patológico, o comportamento incendiário patológico (piromania), roubo patológico (cleptomania); como transtornos de identidade sexual e preferência sexual: transexualismo, fetichismo, travestismo, exibicionismo, voyeurismo, pedofilia, sadomasoquismo etc.

Ocorre que, embora portador de algum transtorno mental importante, o indivíduo pode levar uma vida absolutamente normal, sobretudo quando adequadamente tratado/medicado. Consequentemente, para a configuração de estupro de vulnerável, não basta que o ofendido seja enfermo ou deficiente mental (conforme expressão usada pelo Código), é necessário, ainda, que seja incapaz de autodeterminação (inimputável), visto que o transtorno não implica necessariamente a inimputabilidade. Aliás, rigorosamente falando, não existem fenômenos psiquiátricos, mas apenas uma interpretação psiquiátrica dos fenômenos (Nietzsche).

A inimputabilidade decorrente de transtorno mental e, pois, a impossibilidade de resistir ao estupro, deve ser provada por meio de perícia.

 

2.3)Ofendido impossibilitado de oferecer resistência

 

Haverá também estupro de vulnerável sempre que se tratar de ofendido que, por qualquer razão, esteja, no momento do crime, impossibilitado de oferecer resistência. Como refere Hungria, a incapacidade de resistência (de reação, de defesa) pode resultar de variadíssimas causas (transitórias ou permanentes): enfermidade, paralisia dos membros, idade avançada, excepcional esgotamento, sono mórbido, síncopes, desmaios, delírios, uso de droga lícita ou ilícita, hipnose etc.18

Para tanto, é irrelevante se foi o agente, a vítima ou terceiro quem deu causa à situação de vulnerabilidade.

 

3)Caráter relativo da vulnerabilidade

 

Discute-se se o estado de vulnerabilidade é absoluto ou relativo, isto é, se admite ou não prova em sentido contrário, apesar da idade da vítima etc.19

Temos que as hipóteses legais de vulnerabilidade têm, necessariamente, caráter relativo, admitindo, por isso, prova em sentido contrário.

Primeiro, porque a história é um elemento essencial do direito, por isso que as presunções legais (a condição de vulnerável encerra um presunção legal implícita de impossibilidade de autodefesa) têm, em princípio, valor relativo. Segundo, porque o legislador não pode suprimir a liberdade de alguém a pretexto de protegê-la. Terceiro, porque não existem direitos absolutos, uma vez que a absolutização de um direito implicaria, inevitavelmente, a negação mesma do direito (v.g., absolutizar o direito à liberdade de expressão importaria na anulação do direito à honra e vice-versa).

Justamente por isso é que as presunções legais hão de ter caráter relativo, porque, do contrário, os mais inofensivos atos libidinosos passados entre crianças ou entre adolescentes constituiriam ato infracional e os sujeitariam à medida socioeducativa, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente. O mesmo ocorreria com portadores de transtorno mental, que ficariam privados do direito fundamental a uma vida sexual regular e, por consequência, do direito de procriar, casar etc.

Que se trata de presunção relativa, a admitir prova em sentido contrário, ao menos no que toca aos portadores de transtorno mental e incapazes de oferecer resistência, é o que se conclui facilmente da leitura da própria lei, ao exigir, além da condição de enfermidade ou deficiência mental, que o ofendido não tenha o “necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”. (CP, art. 217-A, §1°).

Note-se ainda que por vezes tais relações (namoros etc.) ocorrem com o conhecimento e anuência dos próprios pais ou responsáveis pelos indivíduos tidos por vulneráveis.

E mais, os autores que sustentam o caráter absoluto da vulnerabilidade da vítima menor de 14 anos não raro admitem o caráter relativo dos demais casos, contraditoriamente, uma vez têm o mesmo tratamento legal, razão pela qual devem ser orientados segundo os mesmos princípios e terem uma mesma interpretação.

Além do mais, a proteção penal não pode ter lugar quando for perfeitamente possível uma autoproteção por parte do próprio indivíduo, sob pena de violação ao princípio de lesividade.

Finalmente, a iniciação sexual na adolescência não é necessariamente nociva, motivo pelo qual a presumida nocividade constitui, em verdade, um preconceito moral.

Assim, ao menos em relação a adolescentes (maiores de doze anos), é razoável admitir-se prova em sentido contrário ao estado de vulnerabilidade, de modo a afastar a imputação de crime sempre que se provar que, em razão de maturidade (precoce), o indivíduo de fato não sofreu absolutamente constrangimento ilegal algum, inclusive porque lhe era perfeitamente possível resistir, sem mais, ao ato.

 

4)Elementos constitutivos do tipo: caráter acidental da violência ou grave ameaça

 

No crime de estupro de vulnerável, diversamente do estupro violento, a violência ou grave ameaça não é um elemento essencial, mas acidental do tipo, uma vez que pode configurar-se com ou sem o emprego de violência, com ou sem o consentimento do ofendido. Tanto é assim que também o estupro de vulnerável admite as qualificadoras da lesão corporal grave e morte (CP, art. 217-A, §§ 3° e 4°).

Justamente por isso, quando o estupro contra vulnerável for praticado com violência ou grave ameaça, o agente responderá, não segundo o art. 213, mas segundo o 217-A, uma vez que ele já assim responderia por vitimar alguém que se encontra na condição legal de vulnerável. Consequentemente, se, além da condição legal de vulnerável, houver uso de violência ou grave ameaça, o agente responderá por este crime, e não por estupro violento, na forma simples ou qualificada, inclusive porque o estupro de vulnerável é, de certo modo,20 um tipo especial relativamente ao estupro violento (lex specialis derrogat legi generali).

Também por isso, e ao contrário do que afirmam Rogério Greco e Cleber Masson21, não cabe falar tampouco de concurso de estupro de vulnerável com constrangimento ilegal, ameaça ou lesões leves, pois semelhante interpretação importaria em bis in idem.

Também por isso, eventuais escoriações, lesões leves e vias de fato ficam absorvidas pelo tipo (princípio da consunção).

 

5)Profissional de saúde como autor

 

Questão delicada é a possibilidade de configuração e comprovação deste crime por parte de profissionais que, em razão do exercício de suas funções, tenham acesso às partes íntimas de pacientes sob seus cuidados (médico, enfermeiro etc.).

Naturalmente que crime algum haverá, mas realização pura e simples de uma atividade lícita, sempre que o profissional se limitar a praticar os atos estritamente necessários à investigação ou tratamento em causa.

Somente haverá estupro de vulnerável se o profissional de saúde, valendo-se da situação de vulnerabilidade em que se encontra o paciente (menor de 14 anos, deficiente mental etc.), praticar algum ato libidinoso (sobretudo a conjunção sexual) manifestamente desnecessário ou inadequado e o fizer dolosamente.

E se a vítima não for vulnerável nos termos da lei, o caso poderá eventualmente caracterizar o crime de posse sexual mediante fraude (CP, art. 215).

 

6)Qualificadoras, ação penal etc.

 

À semelhança do estupro violento, o estupro de vulnerável é qualificado pela lesão corporal grave e a morte.

Já vimos que as lesões leves ficam absorvidas pelo estupro, em razão do princípio da consunção, segundo o qual o crime-fim (estupro) absorve o crime-meio (lesões).

E a pena é assim aumentada (art. 226): a)de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; b)de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.

A ação penal é pública incondicionada.

O processo correrá em segredo de justiça.

 

1No mesmo sentido, Damásio de Jesus. Direito Penal. Parte Especial, v. 3. São Paulo: Saraiva, 2011, p.128. No sentido de que a surpresa configura, porém, o estupro violento, Magalhães Noronha, cit.

2Comentários, cit., p. 118.

3Nélson Hungria, cit., p. 136.

4Magalhães Noronha. Direito Penal. Parte Especial, v. 3. S.Paulo: Saraiva, 2003, p.92. No mesmo sentido, Hungria, cit., p.136: “não constitui o crime a constrangida assistência a ato de libertinagem”.

5Magalhães Noronha. Direito Penal. Parte Especial, v. 3. S.Paulo: Saraiva, 2003, p.92.

6Hungria, cit., p. 137.

7Com efeito, o art. 163, 1, dispõe: “Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.” (o grifo não consta do original).

8Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial, tomo 1. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p.449.

9 HC n° 139.334-DF, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, de 20/05/2011.

10No sentido aqui proposto, Damásio de Jesus: “…Isso importa que a prática de mais de um ato libidinoso de relevo, como a conjunção carnal e o coito anal, cometidos no mesmo contexto fático em em face do mesmo sujeito ativo, caracterizam crime único (e não mais concurso material). Não aquiescemos com o ponto de vista que sustenta cuidar-se de o tipo penal insculpido no art. 213 de tipo misto cumulativo, ou seja, de uma disposição legal que contém dentro de si mais de um crime. Cuida-se, na verdade, de tipo misto alternativo, já que o constrangimento pode se dar para obrigá-la à intromissio penis in vaginam ou a ato lascivo diverso. É evidente, contudo, que a multiplicidade de atos libidinosos em tais condições deverá ser tomada em conta por ocasião da dosagem da pena, resultando no reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao agente (nos termos do art. 59, caput, do CP).”

11 No mesmo sentido, Cleber Masson, cit., p.17/18

12No sentido de que a qualificadora só incide quando houver preterdolo, Rogério Greco, cit., e Luiz Regis Prado. Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 2. São Paulo: RT, 2010.

13 Contrariamente ao que pretende Cleber Masson (Direito Penal, cit., p. 22), o art. 11 do Código Penal, que trata das frações não computáveis da pena, não tem relação alguma com esse assunto.

14Nesse sentido, Rômulo de Andrade Moreira. “A Ação Penal nos Crimes Contra a Liberdade Sexual em Face da Lei nº 12.015/09. Disponível em <jusvi.com>. E Artur de Brito Gueiros Souza”. “Inconstitucionalidade da Lei nº 12.015/09”. Disponível em <lfg.com.br>. Existe, inclusive, uma ADIn no STF questionando a constitucionalidade da lei no particular.

15É de ver, no entanto, que na doutrina alemã é comum considerar como complexo o delito que ofende mais de um bem jurídico, não necessariamente resultante da fusão de dois ou mais tipos. Nesse sentido, Roxin: “Os delitos simples protegem só um bem jurídico, e os compostos, vários (…). Delitos compostos são, entre outros, o furto (§ 242), que se dirige contra a propriedade e a custódia (…)” (Derecho Penal. Parte Gereral. Madrid: Editorial Civitas, 1997, p. 337); e Jescheck: “de acordo com o número de bens jurídicos protegidos no preceito penal, há delitos simples e compostos” (Tratado de Derecho Penal. Parte General. Granada: Comares, 1993, p. 239). Já na doutrina espanhola, Muñoz Conde e Mercedes Arán definem crimes complexos como aqueles que “se caracterizam pela concorrência de duas ou mais ações, cada uma constitutiva de um delito autônomo, mas de cuja união nasce um complexo delitivo autônomo distinto” (Derecho Penal. Parte General. 4. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2000, p. 296). E, para Rodriguez Mourullo, “os tipos complexos se caracterizam porque estão integrados por duas ou mais ações que são em si mesmas delitivas” (Derecho Penal. Parte General. Madrid: Civitas, 1978, p. 274).

16A Súmula 608 dispõe: “No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.”

17Comentário Conimbricense do Código Penal, cit., p.541. Ainda de acordo com Jorge de Figueiredo Dias, a lei presume que a prática de atos sexuais com menor, em menor ou por menor de certa idade prejudica o desenvolvimento global do próprio menor, cit., p. 541.

18Comentários, cit., p. 247.

19No sentido de que se trata de presunção relativa, Cezar Roberto Bitencourt. Direito Penal. Parte Especial, v. 4. São Paulo: Saraiva, 2011. No sentido contrário, Rogério Greco. Direito Penal. Parte Especial, v. 3. Niterói: Impetus, 2011.

20Digo de certo modo, porque o estupro de vulnerável só é, a rigor, um tipo especial, relativamente ao estupro violento (tipo geral), se entendermos a vulnerabilidade como uma forma de violência em sentido amplo, de modo que todo estupro de vulnerável seria um estupro violento, mas nem todo estupro violento seria um estupro de vulnerável. Assim entendido, as especializantes do estupro de vulnerável seriam a idade etc.

21 Rogério Greco escreve textualmente (Direito Penal, cit., p. 539): “O art. 217-A do Código Penal não exige que o delito seja praticado mediante o emprego de violência física (vis absoluta) ou grave ameaça (vis compulsiva). O simples fato de ter conjunção carnal ou prática de outro libidinoso com pessoa considerada vulnerável, mesmo com o consentimento desta, já importa na prática do crime. No entanto, poderá o delito ser praticado através do emprego de violência física ou mesmo da grave ameaça, como ocorre com o estupro tipificado no art. 213 do Código Penal. Nesse caso, pergunta-se: poderia falar-se em concurso de crimes? A resposta só pode ser positiva. Não sendo elemento constante do tipo de estupor de vulnerável, será possível o reconhecimento do concurso material entre o delito de lesão corporal (leve, grave ou gravíssima), ou ameaça, com o tipo do art. 217-A.” E Cleber Masson diz o seguinte: “E também devem ser a eles atribuídos, em concurso material, os crimes de lesão corporal leve (CP, art. 129, caput) ou de ameaça (CP, art. 147), resultantes da violência ou da grave ameaça, pois não funcionam como meios de execução do estupro de vulnerável.” Direito Penal, v. 3, parte especial. São Paulo: Método, 2011, p. 62.

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