Erros na individualização da pena

30 de abril de 2018

A sentença, ao individualizar a pena pelo crime do art. 241-A da Lei n° 8.069/901, c/c artigo 71 do CP (crime continuado), assinalou:

3. Provadas a autoria e materialidade delitivas, passo a aplicar a pena nos termos do art. 59 do CP.

A culpabilidade revela alto grau de reprovação, pois o Réu integrava permanentemente comunidade fechada (GigaTribe) e foi o responsável direto pela divulgação e compartilhamento, na rede mundial de computadores, de grande quantidade de imagens contendo pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes, contribuindo, assim, para disseminar esse crime que assola a internet e aterroriza as famílias. Os antecedentes depõem a favor do Réu, devendo ser considerados bons. Sua conduta social não é boa, pois não comprovou trabalho honesto. A personalidade revela ser uma pessoa desajustada, demonstrando desprezo por valores morais e sociais, agrupando- se em comunidade de infratores. No que diz respeito ao motivo do crime, entendo que o Réu agiu no intuito de satisfazer sua lascívia sexual, desejos sórdidos, perversos e altamente reprováveis, afastado da lei e da moral que norteiam a sociedade. As circunstâncias foram normais à espécie, consistentes na facilidade de divulgação das imagens, que fora feita mediante a rede mundial de computadores, com número elevado de potenciais acessos e destinatários. Nada a comentar sobre o comportamento das vítimas. As consequências são nefastas, pois o Réu, com sua conduta, contribuiu para que um número indeterminado de pedófilos e maníacos alimentassem suas taras sexuais por crianças e adolescentes, incrementando tal prática no País e no exterior. Registro, ainda, a dificuldade, ou, quem sabe, a completa impossibilidade de retirar as imagens pornográficas da internet. Não se pode olvidar os graves danos psicológicos advindos às vítimas.

Considerando as circunstâncias judiciais fixo a pena-base em 05 (cinco) anos de reclusão, e multa de 150 (cento e cinquenta) dias-multa, calculado o dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do maior salário mínimo vigente à época do fato.

Presente a atenuante da confissão, embora o Réu tenha confessado apenas o armazenamento, porém tal confissão foi utilizada para convencimento da culpa do Réu. Dessa forma, diminuo a pena de 1/6 (um sexto), passando-a para quatro (4) anos e dois (2) meses de reclusão e multa de cento e vinte e cinco (125) dias-multa, calculada na forma referida.

Entendo configurada, na espécie, a hipótese de crime continuado (art. 71 do CP), pois a conta do perfil X estava ativa desde 16/11/2010 e somente em 07/06/2013, o Réu foi preso em flagrante. Portanto, decorreu mais de dois anos de prática delitiva, o que, sem dúvida, justifica o aumento de 2/3 (dois terços) pelo crime continuado.

Assim, reconhecido o crime continuado, aumento a pena- base de 2/3 (dois terços), passando-a para seis (6) anos, onze (11) meses e dez (10) dias, de reclusão e multa de duzentos e oito (208) dias-multa, calculado o dia-multa na forma acima especificada, pena esta que torno definitiva, à míngua de outras causas de aumento ou de diminuição. O regime inicial para o cumprimento da pena é o semiaberto.

Houve aí diversos equívocos.

Inicialmente, a circunstância de “não provar trabalho honesto”, como pretendido na sentença, não pode contar em desfavor do réu a título de conduta social, seja porque o simples fato do desemprego nada diz sobre a conduta social, seja porque não figura entre as circunstâncias judiciais juridicamente relevantes, seja porque a condição de desempregado não tem relação alguma com o delito praticado, e se tivesse, haveria de militar em seu favor, não contra.

Além disso, é evidente que não cabia ao denunciado fazer prova de trabalho honesto, pois tal circunstância não fez (nem poderia fazer) parte da acusação deduzida em juízo contra ele.

A personalidade tampouco pode ser considerada “desajustada, demonstrando desprezo pelos valores morais e sociais, agrupando-se em comunidade de infratores”, visto que: a)a violação à lei (e à moral) é inerente ao crime, que pressupõe fato típico, ilícito e culpável; b)não faz sentido exigir-se de quem é condenado criminalmente uma conduta conforme a lei e a moral; afinal, a ilicitude ou antijuridicidade, um dos elementos do crime, significa justamente isso: atuação contrária ao ordenamento jurídico. Mais: o agente deve responder pelo que faz (direito penal do fato), não pelo que é (direito penal do autor).

Houve, pois, bis in idem, inclusive ao valorar as consequências do crime, porque o compartilhamento de vídeos pornográficos infantis é inerente ao próprio tipo na forma consumada. É, em resumo, seu resultado normativo.

Ademais, como o apelante não responde, ou foi condenado, por crime contra a pessoa, não se pode presumir, sem mais, que houve “graves danos psicológicos advindos às vítimas”.

Com relação aos motivos do crime, a satisfação da lascívia, a realização de “desejos sórdidos, perversos e altamente reprováveis, afastando da lei e da moral que norteiam a sociedade”, são também inerentes ao tipo, que castiga o compartilhamento de material pornográfico.

Por último, considerando que o crime é permanente, como reconhecido na própria sentença ao valorar a culpabilidade, não incide a causa de aumento decorrente da continuidade delitiva (CP, art. 71), sob pena de bis in idem.

Note-se, mais, que nem a denúncia nem as alegações finais referem ou pedem a incidência do crime continuado, razão pela qual a sentença ofende, no particular, o princípio da congruência entre acusação e sentença (CPP, art. 3852).

Como se sabe, não se deve confundir crime permanente com crime continuado, visto que na continuação delitiva (CP, art. 71) há em verdade vários crimes praticados em concurso material (v.g. vários furtos), mas a lei, por motivo de política criminal, trata-os como se constituíssem um único crime.

Já o crime permanente é aquele cuja consumação se dilata no tempo enquanto se mantém, por decisão do agente, a situação ilícita de violação ao bem jurídico, como se dá, por exemplo, com o sequestro, pois, enquanto se mantiver a vítima em cativeiro, privado em liberdade, o ato de sequestrar se renova no tempo e, assim, a consumação do crime.

A sentença deve, portanto, ser revista.

1Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

2Art.385.Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.

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