A criação do terrorismo no Brasil

13 de março de 2014

Por CLEBER LOPES

Os brasileiros vivem na eterna expectativa de que, no próximo ano, a economia alcançará o patamar que merece, que o acesso à saúde e à educação será democratizado, que o saneamento básico chegará a todas as cidades e a segurança pública, finalmente, será objeto de orgulho nacional. Nesse ambiente, mais de fé do que de esperança, os anos passam e não se têm políticas públicas pensadas para o longo prazo, e a sociedade parece acreditar que um dia isso vai mudar, pois a cada pleito presenciamos a reeleição de figuras conhecidas pela prática de atos de improbidade e de corrupção.

Costumo dizer que tudo no Brasil precisa dar resultado para o próximo pleito eleitoral e, com isso, cria-se um ciclo que se retroalimenta e nunca se consegue dar cabo a projetos necessários para a solução dos problemas estruturais que todos conhecemos. Sem dizer das soluções mágicas que são apresentadas pelos oportunistas de plantão, confirmando-se a máxima dos ingleses, segundo a qual, para todo problema complexo há uma solução simples, que sempre está errada.

Por isso mesmo, não me surpreendeu a iniciativa legislativa de criar entre nós a figura do terrorismo, com o propósito não confessado de dar uma resposta à grande mídia pela morte de um jornalista durante os protestos populares na cidade do Rio de Janeiro.

É preciso lembrar que vivemos em um país democrático, onde a liberdade de reunião e de manifestação tem assento constitucional, exatamente para que as pessoas possam expressar o seu descontentamento com a má gestão, que acaba sendo a causa determinante de todos os problemas que afetam o dia a dia da população. Como pedir que pessoas que entram em verdadeiras “latas de sardinha” todos os dias, para irem ao trabalho, que são assaltadas quando voltam para casa, que esperam por horas a fio para serem atendidas em hospitais públicos deixem de expressar sua indignação? Quero dizer: essas pessoas têm causas mais do que razoáveis para protestar, e os excessos eventualmente cometidos devem ser punidos à luz da lei penal existente, que é mais do que suficiente para esse fim.

Nesse particular, é preciso dizer que o ordenamento jurídico deve mesmo acompanhar a evolução dos acontecimentos sociais, pois o Direito não cria fatos, apenas os regula à luz de uma política criminal, mais, ou menos, liberal na eleição do que deve ser objeto de proteção. Assim, fica evidente que, para a criação uma nova figura típica, devem ser levadas em conta a relevância da conduta, ou seja, sua ofensividade a um bem que mereça proteção e que ainda não se acha protegido, a efetiva necessidade a partir da concepção do caráter fragmentário do Direito Penal, além da proporcionalidade, para que não se estabeleça uma resposta incompatível com o desvalor da conduta, pois isso pode implicar distorções no sistema, como a que ocorreu com o crime de falsificação de remédio (art. 273, CP), cuja pena mínima é de 10 anos de reclusão, o que tem levado os tribunais a reconhecer a desproporcionalidade e, em muitos casos, desclassificar a conduta para o crime de tráfico entorpecentes, com pena inicial de 5 anos.

Voltando ao caso específico da pretensão legislativa, veja que o Projeto de Lei do Senado nº 499/2013 cria o chamado crime de terrorismo com a seguinte moldura: “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa”, deixando o legislador de observar duas regras elementares – a primeira relativa à necessidade, pois não temos histórico de atos terroristas, o que se constata pela comparação com os atos da história que deram origem ao surgimento do termo; a segunda diz com a técnica legislativa, pois as expressões usadas pelo legislador são abertas por demais, quando a regra é que os tipos penais sejam criados com expressões curtas e objetivas, tudo para reduzir a possibilidade de interpretações distintas.

O que estamos vivendo no País em nada se confunde com terrorismo, pois não temos aqui motivação fundamentalista, ou ideológica, senão movimentos sociais voltados contra a velha e conhecida desordem política desse país, os quais devem ser aplaudidos e não censurados. Diga-se, ainda, que é um absurdo tratar os chamados Black Blocs como terroristas, quando se sabe que esses jovens estão sendo usados por segmentos políticos para minar as manifestações populares, tirando das ruas as pessoas verdadeiramente engajadas no processo de reinvindicação por melhorias na saúde, no transporte público, na segurança, enfim, na gestão pública de um modo geral.

Caso esse Projeto vá adiante, veremos pessoas que jamais pretenderam praticar atos de terrorismo serem condenadas por esse crime que se transformará em verdadeiro fetiche judicial, causando não a redução do terrorismo, por que inexistente, mas certamente sufocando as manifestações populares, com o arredamento das garantias individuais, como sói acontecer em países que desconhecem a democracia. E não duvidem que esse Projeto seja aprovado a toque de caixa para ser implementado ainda durante a Copa do Mundo de futebol, que será realizada em junho, pois a FIFA tem se incomodado com os protestos contra a realização do torneio, ao fundamento de que a segurança das delegações estaria em risco.

Não é a primeira vez que, diante de um crime grave, o Poder Legislativo, ouvindo a voz das ruas e de alguns segmentos da sociedade que nada sabem de Direito Penal e sua relação com a segurança pública, se anima em criar leis cada vez mais duras, como se isso fosse resolver os problemas da violência. Penso que já é chegada a hora de rediscutirmos a própria figura da pena de prisão, pois em crimes praticados sem violência ou grave ameaça, outras medidas, como a prestação de serviços à sociedade, a multa e a restrição de direitos, seriam mais adequadas, já que a privação da liberdade, como é feita no País, em nada contribui para prevenção do crime, custa caro e não reeduca ninguém. Disso, aliás, todos sabem, mas toda vez que o assunto é tratado logo surgem associações de vítimas ou ONGs para dizer que isso é um equívoco. Não tenho dúvida de que, para crimes praticados sem violência contra a pessoa ou grave ameaça, a imposição de medidas outras que não a reclusão mostra-se muito mais eficaz e barata para o Estado.

CLEBER LOPES é Advogado Criminalista em Brasília. Professor (licenciado) de Direito Penal e Processo Penal do UniCeub.

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